O artista Gerald Murphy nasceu no seio da família de próspero industrial e comerciante, fabricante de bolsas, pastas e malas (Boston). Posteriormente a família radicou-se em Nova York (1912). Murphy estudou na Universidade de Yale (NY), onde conheceu o músico Cole Porter, que foi quem compôs o hino da famosa universidade americana, música que tornou-se tradicional e que sobrevive até hoje cantada pelos estudantes. Murphy passou prolongada temporada européia, vivida a partir de Paris (1921-). Murphy tornou-se aluno da artista das vanguardas russas Natalia Gontcharova (1881-1962), que vivia em Paris com Mikhail Larionov (1881-1964): ele foi o único aluno conhecido da russa que, anos mais tarde, naturalizou-se francesa (1938: v. biografias nos Blogs: http://arterussaesovietica.blogspot.com/
Logo Murphy foi atraído pela modernidade da emergente era máquina, que observou nas obras dos vanguardistas franceses Francis Picabia e Marcel Duchamp. Murphy passou a pintar engrenagens e mecanismos de relógio, e máquinas, em obras moderníssimas e marcantemente gráficas, empregando cores chapadas contornadas por grossas linhas negras que lembram a estética das obras de Amedée Ozenfant do Grupo do Purismo. Outra influência marcante na obra de Murphy foi das pinturas de Fernand Léger; mas suas obras foram mais esquematizadas e figurativas, apresentando imagens de engrenagens em estilo preciso e impersonal, quase Híper-Realistas. Murphy expôs sua obra Ponte do Barco [Pont du Bateau] (1923), hoje desaparecida, no Salão dos Artistas Independentes (Paris, 1924).
Gontcharova apresentou o artista americano a seu compatriota, o empresário russo Sergei Diaghilev, para o qual ela e seu companheiro Mikhail Larionov trabalhavam na Cia. Teatral S. P. Diaghgilev, produtora dos Ballets Russes. O empresário pediu a G. Murphy que restaurasse alguns cenários danificados pelas viagens da companhia, quando Murphy passou a conviver com o dia a dia dos bailarinos da companhia.
Murphy travou conhecimento com o artista francês Fernand Léger, que ele admirava e que influenciou sua obra; por sua vez, Léger apresentou-o ao produtor sueco Rolf de Maré, diretor dos Balés Suecos [Ballets Suedois] (Paris, 1920-1924), para quem Léger criou a cenografia e o figurino de vários espetáculos. O empresário sueco desejava realizar turnê americana com sua companhia radicada em Paris. De Maré achou interessante encomendar a Gerald Murphy a cenografia e figurinos do musical Dentro da Cota [Within the Quota] (1924), mais voltado para a estética do público norte-americano do que a estética dos artistas vanguardistas europeus, que até então haviam realizados os cenários e figurinos para seus espetáculos. Prevendo sua futura apresentação americana essa encenação recebeu o título em inglês, que referiu-se à cota de imigrantes que os Estados Unidos permitiam na época (1923).
Na época, Cole Porter também encontrava-se vivendo em Paris; assim sendo, ele foi convidado por Rolf de Maré para compor a música para o espetáculo musical Dentro da Cota [Within the Quota] (1924). A encenação lançou com grande sucesso, pela primeira vez na Europa, a música de Porter aliada à cenografia e os figurinos um tanto quanto formais de Murphy. A cortina da cena foi ampliação gigantesca de primeira página de jornal nova-iorquino. O musical estreou nos palcos parisienses e depois viajou na turnê americana do grupo dos Ballets Suedois, que percorreu inúmeras cidades dos Estados Unidos. Somente alguns anos depois, na década de 1930, Cole Porter começou a verdadeira escalada para seu consistente sucesso profissional; e a estética inovadora da cenografia de Murphy, antecipou por c. 40 anos os temas retomados na década de 1960 por Andy Warhol e outros artistas da dita, Nova Figuração Americana da Arte Pop (Popular ou massiva). As obras de Murphy foram precursoras da Pop Arte (Arte Popular), pois o artista adotou a banalidade dos temas que, mais tarde, o Pop relançou, como a pintura em quadros dentro do quadro, a engrenagem da máquina, a pintura esquemática e gráfica, com cores sólidas chapadas e contornos negros definidos.
Murphy estabeleceu estreita relação de amizade com Fernand Léger. Em meados da década de 1930, quando Léger foi lançar suas obras na América, Murphy ajudou-o a alavancar a carreira americana e internacional do grande artista das vanguardas francesas. Murphy foi influenciado pela obra de Léger, bem como pela arte publicitária mais avançada de sua época: o artista americano estabeleceu ligação estética de sua obra com a da vanguarda norte-americana do Grupo dos Precisionistas, que buscavam precisão na estética de suas pinturas, especialmente na relação com a obra do pintor e cineasta norte-americano que passou prolongada temporada em Paris, Charles Sheeler (v.).
A conhecida intelectual e escritora americana Gertrude Stein, que vivia com seu irmão Léo Stein na Europa (Paris), recebeu nos seus salões a nata das vanguardas artísticas internacionais. A escritora, retratada por Pablo Picasso na pintura de sua primeira fase, dita, Proto-Cubista (1906-1907), cunhou o termo adequado para designar os inúmeros artistas das vanguardas norte-americanas que, no final do século XIX e início do século XX, foram viver em Paris: a dita, Geração Perdida, de que Murphy foi legítimo representante e entre os principais expoentes, verdadeiro dandy moderno. Murphy conviveu com outros membros de sua dita Geração perdida, os escritores americanos John dos Passos, Francis Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway. Essa juventude dourada viveu vida dissipada na Côte d'Azur. Em Paris, Murphy frequentou os estúdios dos Cubistas, Pablo Picasso e Georges Braque, entre vários outros artistas das vanguardas da época que costumavam se encontrar nos salões festivos dos Stein (v., Círculo de Gertrude e Léo Stein, no Blog:
http://arteeuropeiadevanguarda.blogspot.com/).
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O americano Murphy recebeu as vanguardas francesas com estilo, luxo, pompa e circunstância na sua Villa America (Cap d'Antibes, 1924-1929). O estilo milionário da vida de Murphy tornou-se épico quando retratado por Francis Scott Fitzgerald no seu conhecido romance Tender is the Night, que depois transformou-se em filme de sucesso no qual Robert Redford fez o papel de Murphy, contracenando com Mia Farrow.
Murphy pintou seu Retrato (1928, óleo/ tela, 81,3 cm x 81,3 cm), obra que desapareceu, mas que apresentava partes separadas de seu rosto, em vários quadros dentro do quadro. Murphy pintou Relógio [Watch] (1925, óleo/ tela, 199,4 cm x 200,3 cm, doação do artista ao Museu de Arte de Dallas, Texas), obra na qual convivem inúmeras engrenagens de relógio em tons sólidos de cinza claro e amarelo vibrante, destacando contornos negros sobre o fundo claro, branco e limpo da tela reproduzindo imagens ascéticas das engrenagens do relógio, símbolos da moderna era industrial. Outra obra destacada de Murphy foi Gilette [Razor] (1924, óleo/ tela, 82,9 cm x 92,7 cm, no Museu de Arte de Dallas), obra na qual Murphy pintou somente aparelho comum de barbear em escala gigantesca.
No início da grande depressão americana (1929), Murphy foi chamado para assumir os negócios de sua família nos Estados Unidos. Murphy abandonou a pintura e tornou-se esquecido na arte, pois não prosseguiu na sua promissora carreira artística. Na década de 1960, devido ao advento da Arte Pop, e a adesão do movimento pictórico aos temas anteriormente abraçados pela obra de G. Murphy, o artista foi resgatado. No final da vida, Gerald Murphy foi homenageado com mostra retrospectiva realizada no Museu de Belas Artes (Dallas, 1960); e através do livro que, na época, Calvin Tomkins publicou sobre sua vida e obra. Algumas reproduções das fotografias originais da cenografia e apresentação do musical Dentro da Cota [Within the Quota] (1924), encontram-se publicadas (HAGER, 1986); algumas fotografias das obras citadas de Gerald Murphy encontram-se reproduzidas no catálogo da mostra retrospectiva de Fernand Léger, no MoMA (LANCHNER, 1998). Excelente fotografia do quadro Relógio (1925), de G. Murphy, encontra-se reproduzida (TOBLER, 1999).
REFERÊNCIAS SELECIONADAS:
BUTOR, M.; MARTIN, J.; MASSU, C.; NICHOLS, S., PARIGORIS, A.; RIOUT, D.; TRAVIS, D. BUTOR, M (Pref.). L'Art des États-Unis. Traduction de Christiane Thiollier et Dominique Ferrault. Paris: Citadelles et Mazenod, 1992. 637p: il., color.,p. 107.
CATÁLOGO. LANCHNER, C. Fernand Léger. With essays by Jodi Hauptman and Matthew Affron and contribuitions by Beth Handler and Kristen Erikson. New York: MOMA/ Museum of Modern Art, Harry N. Abrams, 1998. 303p.: il (algumas color.), retrs.
DICIONÁRIO. BREUILLE, J-P. Le dictionnaire mondial de la photographie : la photographie des originesva nos jours. Sous la direction de Jean-Philippe Breuille. Paris: Larousse, 1994. 735p.: il., retrs., p. 602 (Dictionnaires specialisés).
DICIONÁRIO. CHILVERS, I. The Concise Oxford Dictionary of Art and Artists. Edited by Ian Chilvers. Oxford: Oxford University Press, 1990. 517p, p. 321 (Oxford reference).
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DICIONÁRIO. SCHMIED, W.; WITFORD, F.; ZOLLNER, F. The Prestel Dictionary of Art and Artists in the 20th century. Munich – London - New York: Prestel, 2000. 383p.: il., p. 286.
HAGER, B. Les Ballets Suedois. Translated by Ruth Sharman. London: Thames and Hudson, 1990. 303p.: il., algumas color., pp. 210-219, 298.
TOBLER, J. DYER, B.; GREENE, D: GREENBERG, A.; HARRISON, H.; MILLS, S.; GOODVE, T. N. The American Art Book. London: Jay Tobler. Phaidon Press, 1999,p. 311.
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